Que ano o de 2001! Até o seu segundo
bimestre, classificava-o como o pior em
toda a minha vida profissional. Bem que me acautelaram: magistério não é
profissão, é sacerdócio! E mais: o nome não é professor, mas sofressor!
Sabe aquela sensação de que tudo
parece conspirar contra você? Foi essa a que se instaurou em mim naquele ano.
As classes em que lecionava me
deixavam sem esperança. Era um 6º ano barulhento, um 7º ano indisciplinado, diversas turmas de ensino
médio indiferentes a toda e qualquer intervenção pedagógica. Rara era a
recíproca nos cumprimentos diários: bom
dia, boa tarde. Geralmente, a resposta vinha em forma de silêncio ou
balbúrdia.
O desgosto era extensivo.
Transitava até por entre as tarefas e provas que tinha de levar para casa.
Recordo o dia em que montei uma
atividade lúdica para uma das turmas. Uma vez que a escola estava sem papel,
arquei com o ônus a fim de romper com o ciclo do desinteresse da classe. Após a
atividade, um dos alunos rasgou o papel diante dos colegas, expressando
insatisfação com a tarefa proposta. Ao saber que o custo do papel fora meu,
retrucou: “amanhã eu trago o seu papel”.
Confesso que a certa altura, eu
queria deixar tudo: uma década de magistério, a reputação profissional, a
empatia com os alunos. A palavra educação
e todas as outras que pertenciam ao seu campo semântico me causavam repulsa. Comecei
a procurar concursos para outras carreiras. Estava desiludida com a escola.
Não foram raras as vezes em que
chorei o meu fado. Senti vergonha de ser professora.
Alguns dos alunos notaram minha desdita. Respondia que não era nada.
Entretanto, foi na primavera
daquele ano que pude observar que a contrapartida era realidade. Depois de
receber uma carta de Jumary, volvi meu olhar aos bilhetinhos com versos que
recebia desde o início do ano. Passei a me alimentar das inúmeras declarações
de amor devoto que recebia no percurso da escola. Deixei que as palavras de Juliane,
uma aluna assaz carismática, ressoassem mais forte ao meu ouvido: Professora, como eu te amo; Como está linda
hoje; Estava com saudade, minha pró.
Como fui tola em deixar que a
algazarra do ambiente escolar camuflasse o carinho que muitos conseguiam
demonstrar! Quanto fui indiferente à devoção de Luna, que me abarrotava de
frases de admiração irrestrita. Quão censurável fui ao reclamar da
insensibilidade de alguns, se grande era a número de alunos concorrendo entre
si para me saudar com um beijo, um abraço, um sorriso. Antes de me dirigir à
sala do 6º ano, alguns alunos amontoavam-se diante de mim para carregar meus
livros, o estojo, o squeeze e, muitas
vezes, para não haver zanga, até mesmo minha bolsa entrava na distribuição. Em
um desses momentos de concorrência para carregar meu material, ouvi uma aluna
do 7º ano dizer: Esses meninos do 6º ano
só faltam carregar a roupa da professora!
Corações desenhados no ar e beijos
eram lançados para mim.
Assim, resolvi ficar. Aprendi que
era uma questão de redirecionamento do olhar.
Professora Rosana Souza